Pe. Abílio: Apóstolo da Eucaristia

Pe. Abílio: Apóstolo da Eucaristia

DIÁRIO DO MINHO

Esta edição do Igreja Viva sai justamente no dia em que a Igreja celebra a Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, neste ano, 8 de junho. Experimentar a presença de Jesus Sacramentado, vivo em plenitude – Corpo, Sangue, Alma e Divindade – é para todos nós uma graça extraordinária. Neste dia trazemos um pouco da história do padre bracarense, Abílio Gomes Correia, Servo de Deus, conhecido como “Apóstolo da Eucaristia”, para que, segundo o seu exemplo, exercitemos a nossa devoção e sejamos inspirados a amar, em total entrega, a Jesus Eucarístico.

Padre Abílio nasceu em Padim da Graça, a 9 de Fevereiro de 1882. Foi ordenado sacerdote a 24 de setembro de 1904. Começou como auxiliar em Padim da Graça e capelão da Irmandade do Senhor dos Passos de Cabreiros, sendo nomeado a 21 de Julho de 1907 pároco de S. Mamede de Este, onde permaneceu (com duas interrupções), até à data da sua morte, a 29 de Junho de 1967. No texto, com sua biografia, Monsenhor Silva Araújo, descreve, entre outras coisas, assim a devoção: “Iniciou a renovação eucarística em Portugal e foi um grande adorador do Santíssimo Sacramento. Durante sessenta anos praticou regularmente o seguinte horário: das 22h até à uma hora da manhã estava em adoração na igreja; da uma até às quatro, dormia; das quatro até à hora da Missa voltava a estar na igreja. Depois da celebração ficava longo tempo em ação de graças”.

Há ainda muito a aprender e descobrir com o testemunho de vida de padre Abílio. Para isso, entrevistamos o Monsenhor Mário Rui de Oliveira, Postulador da Causa de Beatificação e Canonização do Servo de Deus.

Igreja Viva – Por que ficou conhecido como Apóstolo da Eucaristia?
Mons. Mário – Em 1922 o Servo de Deus Padre Abílio Gomes Correia, pároco de São Mamede d’Este, em Braga, foi enviado a Roma para acompanhar o Arcebispo de Braga, D. Manuel Vieira de Matos, ao Congresso Eucarístico Internacional.
Regressou completamente extasiado, ardendo por dentro de amor e paixão pelo Santíssimo Sacramento. Não se sentia apenas o pároco de São Mamede d’Este, mas o missionário e o Apóstolo da Eucaristia, consumido pelo fogo que não se consome e que o impelia a ir em missão. Propõe-se, então, organizar um Congresso Eucarístico Diocesano logo em 1923. Braga vestiu-se com roupa solene e domingueira para cantar desassombradamente a sua fé eucarística, fazendo tremer um país adormecido por uma política adversa ao catolicismo.
Misteriosamente, como acontece com a semente, daquela ignorada terra de Braga começa a germinar uma nova luz que alastrará por Portugal inteiro. Daquele pobre Sacrário nasceu a grande devoção ao Santíssimo Sacramento em Portugal Continental, ilhas e Colónias.

IV – Nos seus escritos é referido que a Eucaristia deveria e deve ser o centro de toda a ação na Igreja. De que forma?
Mons. Mário –
Em 1915 o Servo de Deus publicou o primeiro número da única revista eucarística que houve em Portugal, intitulada “Mensageiro Eucarístico”. O Padre Abílio tem também uma grande obra publicada, toda à volta da Santíssima Eucaristia, da comunhão, da devoção ao Santíssimo Sacramento, do catecismo, da Adoração Eucarística, etc. Em toda a sua reflexão nota-se essa preocupação de educar o povo de Deus, desde a mais tenra idade até ao outono da vida para a centralidade desse mistério fundamental e maravilhoso que é Jesus Eucaristia. Tudo o que ele ensina e expõe, viveu intensamente. Ele sabe que Jesus Eucaristia é a salvação. Dali tudo nasce, para ali tudo se dirige, ali tudo se concentra: a fé, a esperança, o amor. “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue terá a vida eterna, diz o Senhor”.

IV – Como vivia essa intimidade com Jesus Eucarístico?
Mons. Mário –
Quando o Servo de Deus chegou à paróquia de São Mamede d’Este, nos inícios do século XX, encontrou uma Igreja maltratada, quase em ruínas, tal era a pobreza daquele lugar. Foi recebido com indiferença. Sozinho, com sua mãe, naquele inóspito posto, apaixonou-se pelo pobre sacrário e pelo seu majestoso Senhor. Muitas eram as horas do dia que ali passava em oração e em confidência, mas cedo sentiu que o dia não era suficiente para dar conta de tanto ardor e fogo em seu coração. Começou, assim, a roubar horas à noite para estar na presença do seu divino hóspede e amigo. A comunhão era já tão íntima que não se sabia quem visitava quem, quem era quem naquele coração que se faz único quando um homem reza.
Dormia três horas apenas, e no resto, adorava o Santíssimo Sacramento, atendia o seu povo, que lhe fora confiado por Deus, e que devagarinho aprendia a conversão e se entusiasmava à medida que conhecia a devoção e amor do seu santo pastor pela Divina Eucaristia e pelos pobres da comunidade.
No outono da sua vida sentiu diminuir as forças. Nos últimos dois anos cegou quase por completo. Recusou os
tratamentos, ainda pouco conhecidos naquela época, e renunciou à operação exclamando: “já vivi demasiado tempo para fora; agora quero olhar para dentro, para o Hóspede Divino da minha alma”.

IV – De acordo com o seu conhecimento, o que nos pode dizer da frase que o Padre Abílio deixou gravada na paróquia: “a Eucaristia é o Céu trasladado à terra, para fazer da terra um Céu”.
Mons. Mário – O Servo de Deus sabia que o único modo de vencer as adversidades é a oração e a adoração ao Santíssimo Sacramento. O Padre Abílio precisou apenas de alguns anos para revolucionar santamente a sua comunidade paroquial e pegar um fogo santo a uma nação inteira: o pároco era amado e peitado, a igreja estava limpa e impecavelmente cuidada; as crianças todas inscritas nos Pagens da Eucaristia; as famílias tinham consagrado as suas casas ao Sagrado Coração de Jesus; os homens passavam a noite do primeiro Sábado para Domingo em Adoração ao Santíssimo Sacramento; as mulheres faziam adoração durante o dia; os costumes e os modos de viver da gente eram agora orientados pelos valores do Evangelho, etc.
Em 1954, no dia em que completava cinquenta anos de sacerdócio, cumpriu um sonho: inaugurou o monumento em honra do Coração Eucarístico de Jesus, no topo da colina da sua paróquia, no monte Chamor, com mais de 20 metros de altura, o primeiro e único em Portugal.
Centrado completamente no essencial, antecipando as grandes afirmações do Concílio Vaticano II, sobre a Eucaristia como fonte e auge de toda a vida cristã, o Padre Abílio deixou gravado não apenas na paróquia, mas no coração de todos os seus fiéis que a centralidade da Eucaristia, mistério de amor e de completa doação, é a única realidade capaz de transformar este mundo e fazer dele qualquer coisa que se assemelha ao céu.

IV – Deve-se a ele o I Congresso Eucarístico Nacional, que teve lugar em Braga de 2 a 7 de Julho de 1924?
Mons. Mário – Com o dinheiro que sobrou do Congresso Eucarístico Arquidiocesano de Braga, em 1923, o pobre cura da aldeia, a quem chamariam mais tarde o Cura d’Ars português, teve a inspirada ideia de organizar o Primeiro Congresso Nacional Eucarístico, em Braga, em 1924.
Todo o Episcopado português esteve presente e algumas pessoas ilustres, que ficaram para a história da nação, da Igreja e da santidade, apresentaram alguns temas: António de Oliveira Salazar, Manuel Gonçalves Cerejeira e o estudante poeta Bernardo de Vasconcelos, que morreu com apenas 30 anos e que tem o processo de Beatificação a decorrer em Roma, tendo sido já declarado “Venerável”. No encerramento estavam mais de 380 mil pessoas.

IV – Como o exemplo do Padre Abílio nos pode despertar para a santidade e para o amor à Eucaristia?
Mons. Mário – A santidade é o vestido mais belo que endossa a Igreja, corpo místico do Senhor, “povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (LG 4), e é por ela que a Igreja se torna mestra de humanidade e sinal puríssimo da alegria. O escritor León Bloy escreveu um dia que na vida “existe apenas uma tristeza: a de não ser santo”.
A santidade não existe sem a Eucaristia e esta é a fonte e o centro de toda a vida cristã como nos recordou o Concílio Vaticano II e o magistério da Igreja. Como escreveu o Papa Bento XVI, a Eucaristia é Cristo que Se dá a nós, edificando-nos continuamente como seu corpo. A Eucaristia edifica a Igreja e a própria Igreja faz a Eucaristia. A Igreja pode celebrar e adorar o mistério de Cristo presente na Eucaristia, precisamente porque o próprio Cristo se deu primeiro a ela no sacrifício da Cruz.

IV – Em que fase a causa de canonização se encontra?
Mons. Mário – A Congregação das Causas dos Santos, em Roma, no dia 2 de Fevereiro (Festa da Apresentação do Senhor), aprovou juridicamente o processo de beatificação e canonização do Servo de Deus Padre Abílio. Isto significa, antes de mais, que a causa entrou, formalmente, na fase romana, depois de ter conhecido uma longa, árdua e muito compensadora fase diocesana. O processo iniciou há vinte e cinco anos (29 de setembro de 1997), mas nunca esmoreceu, ainda que tenha conhecido, como é normal, alguns períodos de aparente entorpecimento.

O importante agora é não esmorecer e acolher a grande oportunidade que será a celebração da efeméride dos 100 anos do primeiro Congresso Eucarístico Nacional (1924) para dar um novo impulso à causa. A preparação da Positio, que é a síntese de todo o processo diocesano, para apreciação dos cardeais e depois do Papa deveria ser acompanhada de uma grande campanha de oração e sensibilização para que este grande homem de Deus e da Igreja possa chegar às honras dos altares e à devoção e culto universal da Igreja.

Sem a nossa oração e sacrifício o Padre Abílio não chegará aos altares. Rezemos e façamos um esforço por conhecer melhor a vida e o ministério deste grande pastor e para que o Senhor nos favoreça com as suas graças e os seus milagres.

. Renata Rodrigues